Alguém disse certa vez que se queremos conhecer bem uma pessoa não
devemos perguntar tão somente o que ela faz, mas especialmente o que ela ama.
Ali, escondido atrás de suas paixões, estará o verdadeiro ser, a sua essência,
o melhor, ou pior dele, a sua alma exposta. E não importa o quanto esta pessoa
tente se apresentar diferente, no final de um tempo, de um ciclo, ou até mesmo
no final de uma vida, ela revelará o seu verdadeiro nome, ela contará os seus
segredos, ela delatará quem o o que é o seu amor, o seu primeiro amor. Não foi
assim com os personagens bíblicos mais famosos? Qual leitor por mais simples
que seja não consegue apontar a paixão de homens como Paulo, Neemias, Esdras,
Moisés, Elias, Pedro, ou mesmo o Senhor Jesus. Basta andar um pouco pelas
páginas dos evangelhos para encontrarmo-lo com o coração inflamado pela
salvação de pessoas. Ele, mesmo cansado de uma longa viagem, da Galileia até
Samaria, provavelmente a pé, não se assentou, não saciou sua sede e sua fome
até salvar uma mulher, a Samaritana. Foi esta paixão que o fez declarar após a
insistência de seus discípulos para que comesse: Uma comida tenho para
comer, que vós não conheceis... A minha comida consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou para fazer a sua obra. E que obra era esta? Jesus
continua: Não dizeis que ainda há quatro meses até a ceifa? Eu, porém,
vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa.
(João 4.31-35). A sua paixão, o seu amor, a sua determinação em salvar
pessoas definiram o seu maravilhoso ministério entre nós.
Assim, se o pensamento anterior estiver correto, ao descrever a minha
filosofia ministerial apresento não tão somente o que faço e creio, mas o que
amo de fato, o que prende a minha atenção na maior parte do tempo, o que sou no
meu abscônditos, o que me motiva a levantar de manhã. Fazendo
assim não ouso, nem em pensamento, me assemelhar a Jesus em sua límpida paixão,
e nem mesmo aos homens que citei, pois mesmo pecadores, parecem ter tão mais
sublime ideal, pois transformaram suas vontades, seus desejos em ações. É fácil
perceber o desejo de Deus para nós; é da mesma forma fácil sentir um pouco do
que Deus sente. O nosso espírito concorda sem relutância com a sua vontade. No
entanto o processo se torna difícil quando temos que transformar nossa vontade,
nossa concordância, nosso desejo, em atitude. Há uma curta distância entre a
emoção (o sentir) e a razão (o crer); mas a distância é duplamente longa quando
a emoção e a razão, o coração e a mente, precisam tomar forma e corpo, e então
agir para dar forma à paixão. Jesus o fez e muitos outros, mesmo em forma
diminuta, também o fizeram. É aqui que me apresento, cheio de emoção e cheio de
vontade, mas tão remisso em obras, tão dividido em tantos desafios, perdido
diante de portas que deixo de entrar. Faço minhas as palavras do poeta
português, Fernando Pessoa, que diz: Quem é eu, a que assisto, que intervalo
é este que existe entre mim e mim?
Mesmo assim apresento meus amores e a filosofia ministerial
que os acompanham: Primeiramente me vejo um homem comprometido ao máximo com
Deus. Sou grato a Ele porque me alcançou em minha adolescência, em um ambiente
de igreja local que passava por um verdadeiro avivamento, por sinal o único que
já presenciei, o que tem reflexos em minha vida até hoje. Gosto mesmo de Deus,
gosto de sua palavra, de seu povo, de suas vitórias, de sua intervenção na
história das pessoas. Neste sentido me entendo cativo às Escrituras e tenho
nela a base de todo o trabalho que faço. Não é possível amar a Deus sem ter o
mesmo sentimento em relação à sua palavra. Percebo que penso o ministério
pastoral e cristão com o binóculo da Bíblia. Leio as oportunidades e
dificuldades com os olhos de Deus. Posso tornar minhas também as palavras de
Martinho Lutero: A minha mente está presa às Escrituras.
Amo toda a Bíblia, mas minha alma se deixa cativar com mais facilidade
pela parte dela que aponta com mais clareza para a pessoa e obra de Cristo. Sou
fascinado pela Cristologia das Escrituras e isto tem uma pequena história: mesmo
tendo certeza da salvação desde os 15 anos, não conseguia entender porque a
morte de Cristo na cruz, há dois mil anos atrás, tinha alguma coisa a ver
comigo. Como poderia eu ser culpado pela morte de uma pessoa sem nem mesmo ter
nascido? Como aquela morte me alcançava na atualidade? Demorei entender, mas
graças à paciência de meu pastor, que me explicava com uma clareza solar o que
significava a obra vicária de Cristo na cruz, eu entendi. Entendi com lágrimas
e com um amor por esta cruz, que ainda hoje, trinta e três anos depois, ainda
me emociono. Vivo esta centralidade de Cristo em minha vida e ministério. Não
me admito pregar um só sermão sem apontar para o centro da Bíblia, o centro de
tudo, a morte e a ressurreição do nosso Salvador. Exercendo hoje a reitoria de
um Seminário Teológico, me vejo na obrigação e no privilégio de ensinar aos
meus alunos esta verdade tão clara nas Escrituras, mas tão relegada em muitos
dos nossos púlpitos e em boa parte de nossa liturgia. Um exercício prático
nesta questão fiz durante vinte e cinco anos de pastorado com o grupo que
dirigia a música na igreja. Eu sempre perguntava onde estava Jesus nas músicas
que cantávamos. Destaquei tantas vezes que a maioria das músicas atuais fala de
um Deus comum tanto aos Judeus, como aos católicos, aos espíritualistas e aos
evangélicos. São músicas que estão destituídas do centro da teologia: a
salvação do homem em Cristo. Uma música onde um judeu, um espiritualista, um
gnóstico e um crente cantam sem dificuldade teológica, é uma música pobre em
teologia. O que só o crente canta? Ele canta a história da salvação, a cruz
levantada, o sangue derramado, o perdão dos pecados, a maravilhosa graça.
Não me canso de viver e de pregar esta centralidade de Cristo em todas as
coisas. Talvez seja por isso que a segunda parte desta simples filosofia
ministerial aponte para o alvo da paixão de Jesus, as pessoas.
Se a cruz tem um sentido vertical, apontando para cima, símbolo da
ligação do homem com Deus, tem também um viés horizontal, apontando para a
humanidade. Na mesma cruz Jesus fazia a junção do pecador demais, o homem, com
o santo demais, Deus. Talvez seja este o sentido das palavras do apóstolo Paulo
que diz:
A saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não
imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da
reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus
exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos
reconcilieis com Deus. (2 Co 5.19-20).
Toda filosofia ministerial que tem Deus em primeiro lugar e a sua palavra
como fundamento, apontará para o que Deus e sua palavra apontam, a salvação do
homem e o consequentemente o estabelecimento do Reino de Deus entre estes. É
assim que me vejo nos últimos 30 anos, segurando nas mãos de Deus com uma das
mãos, e com a outra convidando os homens à reconciliação. Por certo faz parte
desta filosofia que abraço o serviço e o ministério da igreja local. Entendo a
igreja como o corpo de Cristo aqui na terra, como a extensão de seu ministério,
como um povo escolhido, exclusivo, eleito, a partir do qual Deus se faz
conhecido entre os homens. Esta igreja é o lugar onde os crentes exercem o seu
ministério, onde desenvolvem seus dons e trabalham para a edificação dos seus
membros e congregantes. Creio que esta igreja é gloriosa e digna do ministério
de homens escolhidos e vocacionados.
Ao conduzir uma pessoa a Cristo devemos orientá-la frequentar uma igreja
local para sua edificação e preparo, tanto para alcançar outras pessoas no
mundo, como para ajudar na edificação da igreja até que ela seja chamada ao lar
celeste.
Ainda que a salvação seja uma experiência individual existe uma
dimensão de resgate que é da igreja, do corpo coletivo e plural de
Cristo. Os salvos de todos os tempos serão chamados no céu de a igreja
dos primogênitos. Na consumação de todas as coisas a igreja se unirá ao Espírito
Santo para celebrar a salvação. Jesus a apresentará a si mesmo gloriosa. Ela
ainda precisa ser alimentada e cuidada, mas chegará o dia das Bodas do
Cordeiro, do encontro nas nuvens. No final de tudo a igreja será convidada a
subir e habitar para sempre com Ele. É a esta igreja que sirvo. Especialmente
hoje quando sou responsável pela formação de obreiros para ela, me esmero para
entregar à igreja de Cristo, homens e mulheres preparados com o melhor que uma
instituição como a nossa pode oferecer.
Percebe-se, então, que outra nuance de minha filosofia ministerial aponta
para o preparo teológico. Em um tempo em que muitas instituições de ensino
teológico estão se diluindo, seja fisicamente, deixando de existir, ou
teologicamente, deixando de ser salgar e alumiar; vejo-me inserido em um
contexto de seminário, de tempo integral, em sistema de residência e formação
ministerial no âmbito de pastorado, missões e educação cristã. Tenho o ensino
teológico como muito relevante para a saúde de uma denominação e igrejas
locais. A história tem demonstrado que o enfraquecimento das instituições
teológicas precede a crise nas igrejas e denominações. Lembro-me, como se fosse
hoje, de uma conversa com o Pastor Hermistem Maia sobre este assunto. Ficou
claro para nós que não há segurança para as igrejas sem o ensino teológico,
especialmente os de formação mais ortodoxa. Assim, adepto de uma fé reformada,
de uma teologia mais próxima dos puritanos, encontro-me hoje na direção de um
Seminário (SETECEB) que, há setenta e três anos, prepara e forma
obreiros. Neste período de existência, esta instituição entregou ao Brasil e ao
mundo mais de mil pastores e missionários. Como me sinto privilegiado em dar
continuidade ao trabalho de tantos que me antecederam na direção desta casa.
Para dar cumprimento esta tarefa tão honrosa e desafiadora, percebo a
urgente necessidade de continuar estudando a fim de responder melhor pelo
ensino e aprendizagem desta Casa de Profetas.
Sempre que falo a respeito dessa grande responsabilidade, destaco que
tenho como filosofia de ministério aqui no SETECEB a junção do ensino teológico
com a prática pastoral. Formamos pastores para diversas denominações, mas
especialmente para a Igreja Cristã Evangélica do Brasil, mantenedora desta
instituição. Os professores que buscamos são também, na sua maioria, pastores
de igrejas, que amam suas igrejas. Estes sim, tendo fortes vínculos com a
igreja local, e o recente pastoreio, ensinarão aos os alunos a amarem a igreja
de Cristo aqui na terra.
Faz parte da minha visão e, também, desta casa que dirijo, o alcance dos
povos. Tenho compromisso de ser um apoio ao avanço missionário, seja preparando
obreiros para os diversos campos, seja trazendo os que já têm experiência para
nos estimular à mesma tarefa. Neste sentido, trabalho para manter no quadro de
professores alguns que estão de passagem, descansando de sua tarefa
missionária. No descanso deles sobejam experiências e ensino que muito abençoam
a todos nós.
Destaco, ainda, que creio nas práticas devocionais como ponto de
sustentação espiritual para o salvo. Exercícios espirituais como a oração, a
leitura da Bíblia, a comunhão com uma igreja local, são fundamentais para a
saúde espiritual de todos os crentes, mas especialmente para os que exercem
líderança espiritual, condição em que hoje, pela graça de Deus me encontro. A
ausência ou mesmo a diminuição destes exercícios podem levar o cristão, mesmo
que inicialmente de maneira imperceptível, a um esfriamento em sua carreira
cristã, necessitando assim, a seu tempo, da disciplina do Senhor, seja
diretamente ou através de sua igreja, para voltar a ter as mesmas práticas de
antes e manter a higiene de seu espírito.
Finalmente destaco como parte de minha filosofia ministerial, como fruto
do que amo mais, a família. Entendo que um ministério frutífero tem bases
familiares sólidas e cristãs. A família é criação de Deus, recipiente de
bênçãos não encontradas fora dela, fonte de conforto e consolo de seus membros
e berço do trabalho cristão de qualquer natureza. Não me permitiria fazer o
trabalho de Deus com tanta intensidade se não visse em minha própria família um
experimento do que Deus pode fazer em vidas entregues totalmente a Ele. É no
ambiente e contexto familiar que se constroem os pilares mais resistentes, as
bases mais sólidas para um ministério do lado de fora.
Assim concluo resgatando o que disse no início sobre o que amo, o que
reverbera em mim.
Me candidato a continuar estudando, agora em um programa de doutorado
para aperfeiçoar o meu chamamento e para servir melhor a Deus, abençoando de
forma mais eficaz as pessoas que sirvo e a instituição que hoje dirijo.