Toda a
liturgia do culto deve conter teologia. A Bíblia precisa banhar cada parte do
culto. A música, por exemplo, precisa ser cheia de teologia, de sustentação
bíblica, de hermenêutica, para que cumpra o seu papel.
A música
que cantamos na igreja, conquanto seja um instrumento para adorar a Deus,
também precisa ser edificante para os que do culto participam.
Sendo
assim, ainda que a música que cantamos tenha a sua beleza estética, a sua rica
melodia, o seu maior valor está no seu conteúdo. É o conteúdo mais do que a
forma, que deixará impressão na mente de quem ouve e de quem canta em nossos
cultos.
O que temos
experimentado na maioria das igrejas evangélicas é a completa ausência de
teologia. Os teólogos e pastores cederam o seu espaço para as “bandas”. A
teologia do culto não é mais fruto de uma “investigação bíblica”, mas de
“sentimentos” de compositores.
Não devemos
subestimar as marcas que a música deixa na pessoa. Martinho Lutero disse certa
vez à sua igreja: “Eu sei que amanhã, segunda-feira, vocês vão esquecer o que
eu estou falando em meu sermão, mas os hinos que os faço cantar jamais serão
esquecidos”.
Para
explicar a ausência de teologia em nossas músicas descrevemos alguns pontos
salientes, que são:
1. A centralidade do homem em detrimento de Cristo
Em muitas músicas o importante para o que canta é o que ele sente, o que ele sonha, o que ele quer, o que ele vai fazer, o que ele pode fazer.
As coisas podem mudar mediante a sua fé, a sua declaração, a sua confissão, o seu comando.
São músicas que se parecem muito com a doutrina humanista do “Super-homem” ou com os princípios da Ioga ou Nova Era, que induzem o homem a buscar forças no seu interior. É uma espécie de energização do ambiente.
2. A busca excessiva pela vitória
A Bíblia
fala de vitória (Rm. 8:37; Ef. 6:13). Sempre somos vitoriosos quando deixamos
de pecar, quando concluímos uma tarefa dedicada ao Senhor, quando cumprimos um
mandamento. No entanto a Bíblia também fala de frustração, de fraqueza, de
crises, de derrota, de fome, de perigo, de espada, de tristeza (Rm. 8:31-39;
2Co. 6:4-10).
Devemos
cantar a nossa vitória, esta é segura na vitória de Cristo, mas também,
lembremos de nossas fraquezas, de nossa dependência e confiança no Senhor. É
estando em Cristo que somos mais que vencedores (Rm. 8:37).
3. A adoração sem a história da salvação
A maioria das músicas que cantamos fala de um Deus comum tanto aos Judeus, católicos, espíritas e evangélicos. São músicas que estão destituídas do centro da teologia: a salvação do homem em Cristo.
Uma música
onde um judeu, um católico e um crente cantam sem dificuldade teológica, é uma
música pobre em teologia. O que só o crente canta? Ele canta a história da
salvação, a cruz levantada, o sangue derramado, o perdão dos pecados.
J. Allmen definiu o culto como a recapitulação da história da salvação. As músicas mais enriquecedoras são aquelas onde expressamos o que Cristo fez por nós e em nós. Cristo é o centro da Bíblia, Ele precisa ser então o centro da nossa música.
Uma
pergunta: Seria errado cantar os salmos de vitória? Repetir o que os salmistas
escreveram? Podemos cantá-los a seu tempo e dentro do seu contexto. No entanto
os salmos não refletem por completo o que experimentamos.
A nova aliança nos apresentou um novo sentido de vida cristã não descrita nos salmos. O salmista fala em ódio pelos inimigos (Sl. 139:22), O N.T nos manda amar e orar por eles (Mt. 5:44).
O salmista
quer que os inimigos morram (Sl. 9:5; 37:38;55:9) nós queremos que eles sejam
salvos (Mt. 28:20). Então, o que diferencia o nosso louvor é a obra vicária de
Cristo. Sem Jesus não podemos entrar na presença de Deus (Hb. 10:19-25).
4. O destaque em palavras que a Bíblia não
destaca
Os temas destacados na Bíblia são: A cruz, a salvação, o sangue de Jesus, o perdão, a reconciliação, a evangelização, a santificação, a oração e etc. Os temas destacados na maioria das músicas são: Unção, rio, asas, vento, fonte, altar.
De novo outra pergunta: É errado então falar
desse temas? Não é errado falar, desde que na proporção em que a Bíblia os
coloca e no seu sentido original. Como podemos cantar uma música que nos ensina
que para recebermos o perdão de Deus devemos pegar na ponta do altar?
Vejamos a
palavra “rio”, que é usada aproximadamente “três” vezes para se referir ao
Espírito Santo (Ez. 47 e João 7:38) e duas para descrever a limpidez e a pureza
(Sl. 46:4; Ap. 22:1,2). No entanto essa palavra é massificada nas músicas. Se
fala mais de “rio” de que de Jesus, que aparece quase mil vezes no N.T.
O rio pode
salvar? O rio morreu na cruz? O rio é redentor? Mesmo quando usamos a palavra
rio nos referindo ao Espírito Santo, ainda assim o seu uso é incoerente com a
utilização desse termo na maioria de nossas músicas.
Reflitamos sobre a palavra
“unção”.
No N.T esta
palavra só aparece em 1 João 2:20,27. Nos dois versículos a unção parece falar
da presença do Espírito Santo na vida do salvo. O verso 20 diz:
E vós possuís a unção que vem do santo e todos
tendes conhecimento. No verso 27 fala da unção que recebemos do pai e que nos
ajuda a entender todas as coisas. Este ensino se assemelha ao de Jesus quando
disse que enviaria o Espírito Santo para nos ensinar (Jo. 16:13).
Como então
nossas músicas podem se referir à “unção” como se fosse uma dádiva que o crente
repassa a outro? Como se fosse uma transmissão de autoridade ou poder?
5. O Uso das palavras de comando e gestos
Junto da fraca teologia ou da ausência dela nas músicas que cantamos, vem os comentários e intervenções dos que as dirigem. É necessário muito cuidado nesse momento.
O Pr.
Percival Módolo faz o seguinte comentário sobre o assunto: “Uma forma litúrgica
estranha, muito comum nas igrejas hoje em dia, é o chamado “Momento de Louvor”.
Um grupo de
pessoas vai à frente, jovens que sabem tocar alguns instrumentos e cantar, e
por 40 minutos, apresentam uma série de músicas.
O líder do grupo, muitas vezes
sem nenhuma formação teológica, começa a doutrinar a Igreja, falando sempre
entre 4 e 5 minutos antes ou depois de cada música. Ele explica como é que age
o Espírito Santo, como é o plano de Deus, como a gente deve se comportar, e
como a Igreja deve fazer.
Esse
doutrinamento com música está sendo absorvido indelevelmente, independente do
que o pastor disser mais tarde. Se temos uma sugestão já, nesse momento da
nossa conversa? Sim: Não os deixe falar mais.
Eles estão catequizando a sua
Igreja, de verdade. Por que? Porque usam a música, registrando e arquivando
para sempre. E, como se têm cantado qualquer música, e qualquer texto, estão
ensinando “abobrinhas teológicas brava”, heresia, muitas vezes, e levado a
Igreja a perder a sua característica, a sua identidade”.
Às vezes o
dirigente promove uma espécie de massificação, ordenando que enquanto cantam,
as pessoas virem para o lado, levantem as mãos, coloquem a mão no coração,
imponham as mãos sobre os demais, e etc.
Há os que praticam a teologia dos
gestos, afirmando que existe um sentido espiritual em cada forma de adoração.
Ouvi alguém dizer que quando cantamos com as palmas das mãos voltadas para nós
significa invocação de bênçãos, quando as viramos para fora é adoração. Este
procedimento está muito mais perto do espiritismo e da seita messiânica do que
do cristianismo.
Os adoradores o são em espírito e em verdade e não por depositarem em qualquer símbolo a sua confiança (Jo 4:23-24). Conquanto os gestos passam refletir o que está dentro de nós, por isso às vezes oramos de joelhos, refletindo a nossa humildade e dependência de Deus, não há virtude neles. Eles não são os atrativos que Deus quer ver nos verdadeiros adoradores. O verdadeiro culto é racional, inteligente e exige a renúncia da vontade e não se baseia em forma, mas em conteúdo (Rm. 12:1-2).
Sugestões Práticas
- Devemos nos esforçar
para que os que escolhem e dirigem as músicas tenham uma vida cristã
amadurecida, e que sejam conhecedores das doutrinas básicas da fé cristã.
Talvez, no futuro, cada membro de ministério precise passar por um curso
de conhecimento bíblico. Lembrando que o conhecimento bíblico não é o
único requisito para participar de tal ministério. Não nos esquecendo que
a bíblia nos convida a uma postura ética, santa e comprometida com os
princípios.
- Devemos evitar
sermos consumidores do capitalismo evangélico gospel. Não temos que cantar
uma música porque todos estão cantando ou porque é um sucesso. Existe uma
indústria faturando alto, sem a preocupação com o conteúdo e a teologia da
música. Alguns cantores são tratados como ídolos, são referências para a
histeria, os assovios, os aplausos, a aclamação. O capitalismo, sob a
camuflagem cristã, penetrou no seio da igreja. Hoje temos “Plano de Saúde
Evangélico”, “Cartão de Credito Evangélico”, Shopping Evangélico” “Fã
Clube Evangélico” e etc. Os cachês de alguns artistas são altíssimos e
muitas das “estrelas evangélicas” não cantam sem o pagamento antecipado
dos cachês. Não somos consumidores, somos adoradores e como tal não
devemos subjugar a liturgia da igreja ao apelo da maioria consumista.
- Não devemos ter
compromisso em cantar sempre uma música nova para não parecermos
retrógrados e ultrapassados. A Bíblia é velha, mas a cada vez que a lemos
ela parece ter sido escrita hoje, só pra nós. Assim são as músicas.
Conquanto uma música seja antiga ela pode ser para nós um lindo cântico
novo. Observemos, no entanto, que uma música não é boa por ser velho, o
que se deve observar é que uma boa música antiga não precisa ser
substituída por outra que é nova apenas para demonstrar inovação. Se o
novo for bíblico então que o cantemos, no entanto, que não o façamos
apenas por ser novo. Até entre pastores se ouve críticas a colegas que
ainda usam os hinários em seus cultos. Como se fosse para o que usa um
sinal de tradicionalismo e arcaísmo. No entanto, os que não abdicam deste
tão precioso instrumento, se renovam enquanto cantam, recebem muitos
princípios cristãos e aprendem uma boa teologia. Cabe aqui dizer que não
deve haver rejeição ao novo mas um cuidado. Aliás, o que hoje é novo
amanhã será velho, e sendo novo ou velho precisará ser dotado de boa
teologia.
- Devemos escolher as
músicas a serem cantadas cuidado- samente. As letras precisam ser conferidas
com os princípios bíblicos. Para este trabalho é bom contar com a ajuda de
uma pessoa que tenha um bom discernimento bíblico.
- Devemos cuidar para
que a vida não suplante nem esconda a teologia, mas a exemplifique e a
dignifique. É interessante que o Apóstolo Paulo ao falar sobre a escolha
dos líderes da igreja, fala primeiramente do caráter (irrepreensível,
esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, não
dado ao vinho, não violento, cordato, inimigo de contendas, não avarento).
Só há uma recomendação técnica, que seja apto para ensinar (1Tm. 3;1-4).
Primeiramente o líder precisa “ser” para depois “fazer”. Se escolhermos as
músicas pelo quesito técnico estaremos fazendo o inverso do princípio
bíblico. Pode-se até ter pessoas menos qualificadas para a parte
estrutural, mas nunca pode faltar a parte espiritual.
Pr. Luiz César Nunes de Araújo